O princípio constitucional da vedação ao confisco

 

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀Como se sabe, a cobrança de tributos é uma limitação ao direito de propriedade. O contribuinte entrega parte de seu patrimônio ao Estado para que este cumpra com seus deveres democráticos e republicanos, garantindo o bem-estar social por meio da promoção de educação, saúde, integração social, etc.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀Contudo, a necessidade de promoção do bem-estar social não autoriza ao Estado a utilizar os tributos com efeito confiscatório, que ocorre quando o tributo ultrapassa a capacidade contributiva do contribuinte. Tal prática é proibida, visto que afeta por demasiado a propriedade particular do indivíduo e pode ferir a plenitude de suas necessidades essenciais. Essa vedação é explicitada no art. 150, inciso IV, da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV – utilizar tributo com efeito de confisco;

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀De acordo com Paulo Cesar Baria de Castilho[1], “confisco tributário consiste em uma ação do Estado, empreendida pela utilização do tributo, a qual retira a totalidade ou parcela considerável da propriedade do cidadão contribuinte, sem qualquer retribuição econômica ou financeira por tal ato”. E, conforme explica Paulo de Barros Carvalho[2], há verdadeiro aniquilamento do direito de propriedade quando a imposição tributária implica em substancial redução do patrimônio ou da renda.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀Porém, a constatação da cobrança de tributos com efeito confiscatório se dá de modo subjetivo, haja vista a complexidade de delimitar o alcance desta garantia fundamental dos contribuintes brasileiros. Logo, para julgar se alguma carga tributária é confiscatória, utiliza-se como parâmetro os princípios da capacidade contributiva, razoabilidade e proporcionalidade.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal julgou, em 2014, o Recurso Extraordinário 833.106, o qual declarou que multas acima de 100% do valor do débito tributário são consideradas inconstitucionais, visto que possuem efeito confiscatório e ferem o art. 150, IV da CF.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀Vale ressaltar que o confisco em si, fora do direito tributário, é permitido em duas situações, sem a devida indenização: a) pelo perdimento de bens para saldar a dívida; e b) em caso de propriedade utilizada para fins de plantio de entorpecentes ilícitos, segundo o art. 5°, XLVI, b e art. 243 da CF:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: b) perda de bens;

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀Portanto, além das duas situações referentes à perda de bens e uso ilícito de propriedade, previstas na Constituição Federal, é vedado o efeito de confisco na tributação, visto que, conforme demonstra o Prof. Eduardo Sabbag[3], “pode-se afirmar, sem receio de equívoco, que toda entidade impositora que confisca, na seara tributária, vai além da capacidade contributiva do cidadão”.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀Diante da constatação de cobrança de multas ou tributos com efeitos confiscatórios, caberá ao Poder Judiciário limitar, à luz dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, razoabilidade e proporcionalidade, a imposição tributária.

[1] CASTILHO, Paulo Cesar Baria de. Confisco Tributário, p. 39.

[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 7. ed. rev. São Paulo: Noeses, 2018., p. 339.

[3] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 12. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 255.

Share on facebook
Facebook
Share on linkedin
LinkedIn