A ILEGALIDADE DA SUSPENSÃO ACAUTELATÓRIA de credenciamento para emissão de documentos fiscais eletrônicos REGULAMENTADA PELO ATO DIAT Nº 20/2019 – SANTA CATARINA

William Holz[1]

Lucas Rafael Gonçalves Corrêa Cidral[2]

Gabriel de Borba Schulz[3]

INTRODUÇÃO

Em Santa Catarina, no dia 22 de julho de 2019, foi publicado o Ato DIAT nº 20/2019, que disciplina o procedimento de suspensão acautelatória de credenciamento para emissão de documentos fiscais eletrônicos (DF-e) no caso de indícios de fraude, simulação ou irregularidades fiscais.

A referida norma possibilita a suspensão acautelatória do direito do contribuinte emitir documentos fiscais eletrônicos, como por exemplo, a Nota Fiscal, inviabilizando toda a atividade da empresa.

Por ser uma medida acautelatória, não há processo administrativo prévio para citar o contribuinte e oportunizar a defesa e o contraditório.

Desta feita, o contribuinte toma conhecimento da suspensão no momento em que ela é efetivada, para então, poder exercer seu direito de defesa.

Registra-se que enquanto a manifestação do contribuinte não é analisada e julgada, a suspensão permanece, impossibilitando que a empresa exerça a sua atividade.

Nesta toada, é patente a violação de direitos constitucionais ocasionada pelo Ato do Diretor de Administração Tributária (DIAT), principalmente os do contraditório e ampla defesa, da preservação e função social da empresa.

1. DO PROTOCOLO DE SUSPENSÃO ACAUTELATÓRIA DE CREDENCIAMENTO PARA EMISSÃO DE DF-E

A suspensão acautelatória decorre da apuração de indícios de fraude, simulação ou irregularidades fiscais, que podem incluir: a) a análise entre a área ocupada pela empresa e a atividade social exercida; b) se o contribuinte possui registro de consumidor de energia elétrica, água e serviços de comunicação; c) (ir)regularidade das notas fiscais e emissão de Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e); d) endereço de Internet Protocol – IP diverso da sede da empresa; entre outros.

Percebe-se que os indícios não comprovam ou demonstram a efetiva irregularidade fiscal, porém o Fisco entende que são suficientes para suspender, inaudita altera pars, o direito do contribuinte emitir documentos fiscais eletrônicos, que englobam a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) e Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e), conforme dispõe o art. 1º do Ato DIAT nº 20/2019:

Art. 1º Disciplinar o procedimento de suspensão acautelatória de credenciamento para emissão de documentos fiscais eletrônicos (DF-e) no caso de indícios de fraude, simulação ou irregularidades fiscais.

Parágrafo único. Para fins do disposto neste Ato, serão considerados os seguintes documentos fiscais eletrônicos (DF-e):

I – Nota Fiscal Eletrônica – NF-e;

II – Conhecimento de Transporte Eletrônico – CT-e.

É evidente o abuso de direito admitido pelo Ato DIAT nº 20/2019, pois a sanção aplicada é totalmente desproporcional aos indícios apurados pelo Fisco.

Não há dúvidas que a suspensão do direito de emitir qualquer documento fiscal eletrônico inviabiliza a atividade do contribuinte. Assim, esta penalidade só deveria ser aplicada em casos extremos, quando o Fisco tivesse provas irrefutáveis de violação das normas legais.

Conforme dispõe o art. 2º, IV, do Ato DIAT 20/2019, não há início de fiscalização, apenas apuração de presunções, de indícios.

Art. 2º O procedimento de que trata este Ato:

IV – não configura início de fiscalização, permanecendo o contribuinte com a espontaneidade para cumprir suas obrigações tributárias, pelo que não cabe a emissão de Termos de Início e de Encerramento de Fiscalização, em atenção ao disposto nos arts. 114 a 119 do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário do Estado de Santa Catarina, aprovado pelo Decreto nº 22.586, de 1984;

Por inexistir início de fiscalização, não há apuração probatória, sendo que os indícios são apurados a partir de pesquisa e análise de dados, realizada pelo sistema eletrônico da Secretaria do Estado da Fazenda. Isto é, através de uma apuração eletrônica o Fisco suspende, arbitrariamente, o direito do contribuinte de emitir documentos fiscais.

Após a suspensão, o contribuinte é notificado para, querendo, apresentar defesa ao Gerente Regional da Fazenda Estadual de sua circunscrição, no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do art. 4º do mesmo diploma legal:

Art. 4º O contribuinte, pessoalmente, ou por meio de procurador com firma reconhecida por autenticidade no instrumento de procuração, poderá, sem efeito suspensivo, apresentar defesa ao Gerente Regional da Fazenda Estadual de sua circunscrição, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data de emissão do protocolo referido no inciso V do caput do art. 2º deste Ato, devendo a defesa vir acompanhada de elementos que demonstrem a improcedência dos indícios apontados, o efetivo exercício da atividade empresarial, a capacidade de armazenamento no estabelecimento do contribuinte e o modelo de logística utilizado para recebimento e despacho de mercadorias, bem como a capacidade econômica das pessoas indicadas no respectivo quadro societário em face do valor das operações ou prestações indicadas nos documentos fiscais eletrônicos emitidos.

Caso a decisão do Gerente Regional seja insatisfatória, o contribuinte poderá, sem efeito suspensivo, apresentar recurso ao Diretor de Administração Tributária, no prazo de 15 (quinze) dias da ciência da decisão.

Não há dúvidas da violação prematura do direito do contraditório e ampla defesa, posto que o contribuinte só poderá se manifestar após a efetivação da medida imposta pelo Fisco.

Deste modo, até o julgamento do recurso administrativo a suspensão permanecerá e, por consequência, a empresa estará impedida de exercer qualquer atividade e emitir documentos fiscais eletrônicos.

A alternativa que resta ao contribuinte é buscar através da via judicial a proteção dos direitos garantidos pela Carta Maior, sendo que já existem decisões liminares no sentido de suspender a suspensão acautelatória de emissão dos documentos eletrônicos fiscais.

2. DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

O abuso de direito do Ato DIAT é flagrante, ao passo que viola as normas e garantias constitucionais, que tratam dos princípios do contraditório, ampla defesa, devido processo legal, razoabilidade, proporcionalidade, motivação das decisões, função social e preservação da empresa.

Como é sabido, no ordenamento pátrio é vedado a execução de medidas restritivas à atividade do contribuinte, quando as providências coativas dificultem ou impeçam o desempenho da mercancia. Tal entendimento está consolidado no Poder Judiciário, aliás, nunca foi objeto de grandes discussões, haja vista a observância cerrada do princípio do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. SUSPENSÃO DO CNPJ. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO CONFIGURADA. CONTROVÉRSIA SOLUCIONADA COM AMPARO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DO STF.

1. Hipótese em que o Tribunal local consignou: ‘(…) tal procedimento, que permite a suspensão da inscrição no CNPJ antes de ser propiciada a contraposição de razões à representação fiscal, fere os princípios da ampla defesa e do contraditório, os quais, como declara a Constituição Federal (art.

5º, inc. LV), merecem observância em processo judicial e administrativo’ (fl. 171, e-STJ).

2. Não se configura a ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.

3. Apesar de terem sido apontados dispositivos legais, a matéria foi debatida com fundamento eminentemente constitucional (ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório previstos no art. 5º, LV, da Constituição Federal), sendo a sua apreciação de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe o art. 102, III, do permissivo constitucional. Assim, não é possível analisar a tese recursal, sob pena de usurpar a competência do Supremo Tribunal Federal estabelecida nas alíneas do inciso III do artigo 102 da Constituição

Federal. 4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (STJ, REsp 1.679.057/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/10/2017).

De fato, a pesquisa jurisprudencial não evidenciaria outra coisa senão a impossibilidade do Fisco de atuar de forma temerária, constrangendo o contribuinte e trazendo prejuízos à toda sociedade ao fazer uso de medida extrema, sem real comprovação da irregularidade fiscal cometida.

2.1 DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE

Há de se considerar, ainda, violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, porque supostas obrigações acessórias não cumpridas carecem de penalidades que inviabilizam a continuidade da empresa. Quanto à razoabilidade, vale citar Paulo de Barros Carvalho[4]:

…um dos princípios a serem seguidos pela Administração Pública é o da razoabilidade, segundo o qual o meio deve ser adequado ao fim almejado. Sua consecução exige proporcionalidade entre os meios de que se utilize a administração e os fins que ela tem que realizar.

Levando em conta uma interpretação fundada em princípios constitucionais garantidores do contribuinte, bem como na existência do próprio Estado democrático de direito – que traz consigo deveres e obrigações – a atuação da Administração Pública está vinculada ao estrito cumprimento da lei, não podendo dela desbordar-se.

Na toada do que leciona Odete Medauar[5], não podem ser impostas aos indivíduos obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela necessária ao atendimento do interesse público, segundo critério de razoável adequação dos meios aos fins. Havendo distorção entre a medida exigida e o fim efetivamente nela previsto, entre a restrição imposta e a finalidade de sua imposição, haverá inadmissível violação aos mencionados princípios.

No caso, não houve qualquer respeito ao princípio da proporcionalidade, pois, conforme Heleno Taveira Torres[6] ensina, trata-se de um princípio garantista:

Destarte, a proporcionalidade é espécie de princípio jurídico, na modalidade de garantia constitucional, ainda que implícita, e que tem por finalidade servir como controle de aplicação de restrições infraconstitucionais a direitos e liberdades fundamentais. A implicitude não prejudica a proporcionalidade na sua natureza normativa de garantia ou na eficácia jurídica de princípio. Sobrelevam-se, entre os seus fins, a efetivação da justiça e da igualdade e as proteções contra o arbítrio e a discricionariedade excessiva nas restrições a direitos e liberdades. (p. 675).

 A suspensão acautelatória de credenciamento para emissão de documentos fiscais eletrônicos não mostra razoabilidade com o descumprimento de obrigações tributárias acessórias, posto que impede o desempenho da atividade econômica, causando prejuízos incompatíveis com a finalidade do bem jurídico protegido pela norma, prejudicando a geração de empregos, movimentação da economia e a própria arrecadação do Estado, já em grave crise econômica e fiscal.

2.2 DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

De acordo com o art. 5º, inciso LV[7], da Constituição Federal, vê-se que o Poder Constituinte Originário resguardou aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o exercício do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes. A atuação da administração deve ter respaldo na Constituição Federal e nas leis, e não ser um ato de arbítrio, sob pena de se negar aos administrados as garantias próprias do Estado Democrático de Direito.

Colaciona-se outro autor de direito administrativo, Marcelo Madureira Prates[8], apenas repisando todos os argumentos já citados:

Não obstante, se o poder sancionador geral detido pela Administração faz parte do poder punitivo estatal, há de se admitir que o seu regime jurídico, de sua natureza administrativa, seja influenciado por princípios e por regras comuns a todo o direito público sancionador, e não apenas ao direito penal – como o princípio da presunção da inocência, a regra non bis in idem ou o respeito pelos direitos de audiência e defesa. Até porque tais princípios e regras são derivados, ou ainda, ‘meras individualizações’ de princípios constitucionais maiores, como, p. ex., o do Estado de Direito, o da legalidade e o da segurança jurídica, nomeadamente sob o seu aspecto de proteção da confiança.

Estabelecer sanções dessa magnitude viola inúmeros princípios constitucionais, manchando uma atuação pública que deveria pautar-se pela legalidade. Evidente que o maior princípio constitucional, do Estado de Direito – corolário do contraditório e da ampla defesa – não foi devidamente interpretado pela autoridade fiscal que promoveu a suspensão de credenciamento da empresa.

Neste diapasão, não é possível presumir, através de indícios, as irregularidades fiscais cometidas pelo contribuinte, até porque a Legislação infraconstitucional estabelece que os atos administrativos devem ser motivados, justamente com escopo de evitar prejuízos imensuráveis e garantir o contraditório e ampla defesa. Dispõe o art. 50 da Lei Federal nº 9.784/1999:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

V – decidam recursos administrativos;

VI – decorram de reexame de ofício;

VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

§ 2º Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.

§ 3° A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.

Sobre a motivação dos atos administrativos, Di Pietro[9] ensina que:

O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos”.

O Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento de que os atos administrativos devem ser motivados, sob pena de nulidade.

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MULTA. GRADAÇÃO DA PENALIDADE. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. EXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. A fundamentação produzida no acórdão para anular a decisão administrativa que aplicou pena pecuniária à recorrida foi a ausência de motivação para a fixação de multa. Como demonstrado no acórdão recorrido, o ato administrativo questionado reputa-se eivado de ilegalidade, visto que insuficientemente motivado pelo órgão ambiental. Depreende-se que a análise perpetrada pelo juiz não foi sobre o mérito do ato administrativo, mas sobre a ilegalidade do ato administrativo produzido sem a devida motivação. RMS 40.769/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 7/2/2014. 2. Recurso Especial não provido.[10]

Conforme já mencionado, a ausência de motivação dos atos administrativos fere diretamente o direito do contraditório e ampla defesa e do devido processo legal, garantias asseguradas pelo art. 5º, LIV, LV, da Carta Magna.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

 LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

O Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento de que “a suspensão da inscrição no curso do processo administrativo, antes do início ou término do prazo para apresentação de defesa, viola os princípios constitucionais antes mencionados[11].

É totalmente relevante a motivação do ato administrativo para a efetividade do devido processo legal e da ampla defesa e contraditório do contribuinte, pois se a suspensão de direitos é genérica, infundada e presumida, o contribuinte não terá acesso aos pressupostos de fato e de direito do ato que atingiu a sua esfera jurídica.

Neste norte, todo o ato administrativo que produza efeitos jurídicos desfavoráveis a direitos ou interesses individuais de seu destinatário deve ser obrigatoriamente fundamentado. Trata-se de desdobramento natural do devido processo legal e da garantia fundamental da ampla defesa.

A Administração não pode deixar de examinar as motivações da conduta do contribuinte, objetivada no conjunto de atividades desempenhadas, sob pena de converter, o ato administrativo de aplicação de multa, em forma de ilegalidade e de inconstitucionalidade[12].

2.3 DA PRESERVAÇÃO E DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

Ademais, com a incapacidade do contribuinte de exercer a atividade empresarial, a sanção aplicada viola, diretamente, os princípios da preservação e da função social da empresa.

O princípio da preservação da empresa busca evitar que a sociedade empresária sofra com uma crise fatal, que poderia acarretar o fim de empregos, desabastecimento de produtos e serviços e diminuição na arrecadação de impostos.

Nessa esteira é o ensinamento de Negrão:

[…] atender à preservação da empresa, mantendo, sempre que possível, a dinâmica empresarial em três aspectos fundamentais: fonte produtora, emprego dos trabalhadores e interesses dos credores.[13]

A Constituição da República consagra a proteção à preservação da empresa por duas razões fundamentais. A primeira é pela forma de conservação da propriedade privada, na teia do Art. 170, II, IV e parágrafo único, da Constituição da República:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[…]

II – propriedade privada;

[...]

IV – livre concorrência;

Parágrafo Único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em Lei.

E a segunda, é pelo meio de preservação da sua função social, ou seja, do papel socioeconômico que a sociedade empresarial desempenha junto à população em termos de fonte de riquezas e como ente promovedor de empregos.

Além de estar garantido na Constituição Federal (art. 5º, XXIII e art. 174), o princípio da preservação da empresa ganhou forças com a sua previsão expressa no art. 47 da lei 11.101/05:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Nesse sentido, oportunas são as palavras de Coelho ao reforçar o objetivo do princípio da preservação da empresa:

[…] no princípio da preservação da empresa, construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade), em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em torno da continuidade deste.[14]

A preocupação pela conservação da atividade empresarial ultrapassa a esfera dos sócios da sociedade empresária, atingindo todos aqueles que se beneficiam da sua capacidade econômica. Entre eles os credores, que desejam garantir seu crédito, os empregados, em razão dos seus postos de trabalho, consumidores, no que se refere a bens e serviços e o Fisco, em virtude da arrecadação de tributos.

Outrossim, não há razoabilidade em suspender, de forma acautelatória e sem provas concretas, as atividades de uma empresa que gera empregos, recolhe tributos e fomenta e economia do Estado.

3. CONCLUSÃO

O Ato DIAT nº 20/2019, publicado em 22 de setembro de 2019, foi elaborado pelo Diretor de Administração Tributária de Santa Catarina e disciplina sobre o procedimento de suspensão acautelatória de credenciamento para emissão de documentos fiscais eletrônicos (DF-e) no caso de indícios de fraude, simulação ou irregularidades fiscais.

A suspensão ocorre de modo inaldita altera pars, isto é, sem a prévia comunicação ao contribuinte. Simplesmente é enviada uma notificação pelo sistema SAT, informando que a partir deste momento a empresa não poderá emitir mais os documentos fiscais eletrônicos.

Sem a emissão da nota fiscal ou do conhecimento de transporte, o contribuinte não pode atuar regularmente, assim, a medida arbitraria realizada pelo Fisco impede o funcionamento da empresa, sem possibilitar qualquer direito de defesa.

Conforme exposto, o Ato DIAT nº 20/2019 viola diretamente os preceitos constitucionais do direito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, preservação e função social da empresa.

Portanto, o contribuinte que tiver suspenso de forma acautelatória seu direito de emissão de documentos fiscais eletrônicos, poderá pleitear judicialmente a revogação da medida imposta pelo Fisco, vistos os direitos constitucionais violados.

Bibliografia

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2018. 1180 p. v. 1. ISBN 978853097956.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1996.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa.

STJ – REsp nº 1.752.490 – PR (2018/0167350-8), publicado em novembro de 2018.

STJ – REsp: 1787922 ES 2018/0326005-6, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 26/02/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/05/2019

TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica: Metódica da Segurança Jurídica do Sistema Constitucional Tributário. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters, 2019.


[1] Especialista em Direito Tributário pela Damásio Educacional; Graduado em Direito pela Universidade da Região de Joinville – Univille, advogado inscrito na OAB/SC nº 46.588; Secretário da Comissão de Direito Tributário da OAB Joinville; Sócio proprietário da William Holz Advogados Associados, com ênfase na atuação tributária.

[2] MBA em Direito Empresarial e Tributário pelo INPG (Instituto Nacional de Pós-Graduação); Graduado em Direito pela Universidade da Região de Joinville – Univille, advogado inscrito na OAB/SC nº 46.240; Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB Joinville; Sócio da William Holz Advogados Associados, com ênfase na atuação empresarial.

[3] Pós-Graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET); Graduado em Direito pelo Centro Universitário – Católica de Santa Catarina em Joinville, advogado inscrito na OAB/SC nº 60.247; Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB Joinville; Sócio da William Holz Advogados Associados, com ênfase na atuação tributária.

[4] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. 613 p. v. 1.

[5] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1996.

[6] TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. 815 p. v. 1. ISBN 9788553213245.

[7] LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[8] PRATES, Marcelo Madureira. Sanção administrativa geral: anatomia e autonomia. Coimbra: Almedina, 2005.

[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2018. 1180 p. v. 1. ISBN 978853097956.

[10] STJ – REsp: 1787922 ES 2018/0326005-6, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 26/02/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/05/2019.

[11] STJ – REsp nº 1.752.490 – PR (2018/0167350-8), publicado em novembro de 2018.

[12] TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica: Metódica da Segurança Jurídica do Sistema Constitucional Tributário. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. p. 718.

[13] NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa.  p. 125.

[14] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. p. 13.

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