Atualmente, é comum que os cidadãos acreditem ser possível a venda de seus bens a seus descendentes, sem necessidade de autorização ou consentimento prévio dos demais familiares. Tal pensamento se justifica no entendimento popular de que se algo é de propriedade de um indivíduo, esse tem o direito de utilizar seu bem como preferir.
Todavia, tal raciocínio é equivocado e pode causar problemas no futuro, visto que, na realidade, apesar dessa venda poder ser realizada, existem ressalvas que devem ser atentamente verificadas e cumpridas – sob pela de anulação do negócio jurídico.
Segundo o art. 496 do Código Civil, a venda de bens de ascendentes a descendentes ou cônjuges pode ser anulável, haja vista a possibilidade de que outros herdeiros que teriam direito ao bem contestarem o ato jurídico por não terem consentido com tal feito:
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.
Além disso, a jurisprudência nesse sentido é pacífica ao dizer que o ato jurídico é de fato anulável se não houver o consentimento de todos os herdeiros para a venda:
CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. VENDA DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE NÃO ANUÍDA PELOS OUTROS DESCENDENTES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. […]. HIPÓTESE SUB JUDICE EM QUE HOUVE DOAÇÃO DISFARÇADA DE COMPRA E VENDA. DEPOIMENTO PESSOAL DA ASCENDENTE (RÉ) NO QUAL AFIRMA NÃO TER RECEBIDO QUALQUER VALOR PELO IMÓVEL. NÃO COMPROVADO O PAGAMENTO OU RECEBIMENTO DE DINHEIRO. SIMULAÇÃO VERIFICADA. NEGÓCIO ANULADO. PEDIDO INICIAL PROCEDENTE. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O art. 496 do Código Civil exige anuência expressa dos demais descendentes para tornar válida a venda de pais para filhos, in verbis: “é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”. 2. O Superior Tribunal de Justiça entende que, “além da iniciativa da parte interessada, para a invalidação desse ato de alienação é necessário: a) fato da venda; b) relação de ascendência e descendência entre vendedor e comprador; c) falta de consentimento de outros descendentes […], d) a configuração de simulação, consistente em doação disfarçada […] ou, alternativamente, e) a demonstração de prejuízo” ( REsp 953.461/SC , Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, j. 14/06/2011).
(TJ-SC – AC: 00016384320128240054 Rio do Sul 0001638-43.2012.8.24.0054, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 20/11/2018, Terceira Câmara de Direito Civil)
Outrossim, a seção na qual o assunto é tratado no Código Civil não apresenta prazo para que tal anulação seja solicitada, entretanto, essa resposta pode ser extraída do art. 179, considerando que o prazo geral para pedido de anulação é de 02 (dois) anos:
Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.
Portanto, é indispensável o consentimento comprovado de todos os herdeiros, sejam eles descendentes ou cônjuges, para que o ato jurídico seja feito de forma plena e completa, sem a possibilidade de uma futura anulação.